Diário de Bordo - Sérgio

 

25/01/2007

A noite foi bem tranqüila e, um pouco antes de amanhecer, algumas libélulas pousaram na popa do Fandango. Estávamos muito longe de terra e não imaginava que esses insetos voavam tanto. O vento não nos ajudou nada. Só apareceu quando já estávamos chegando na ilhas. Estávamos ansiosos e chegamos em Abrolhos às 9:30 hs da manhã. Arrumamos as coisas rapidamente e recebemos a visita da Bernadete, a guarda-parque mais conhecida do Brasil. Eu queria que as crianças a conhecessem e ficamos conversando um bom tempo com ela. Quando ela saiu, almoçamos, descansamos um pouco e fomos mergulhar na ilha de Sta. Bárbara, no cantinho que mais gostamos. Com o bote, rapidamente estávamos no local de mergulho. Desta vez a maré estava mais baixa e não dava para ir na grande laje onde fomos na outra vez. Mas também não precisava: os peixes estavam todos no paredão antes da laje. Muitos budiões azuis e cirurgiões azuis passeavam tranqüilamente pelo local. Vimos também dois grandes badejos, um com cerca de cinco quilos e outro bem maior, com talvez dez quilos. Pouco depois a Lu deu um grito: dentro de uma toca havia um pequeno lambaru (tubarão lixa) e ela se assustou com ele. Logo estávamos todos nós mergulhando e entrando na toca para vê-lo. Ele, muito manso, ficou tranqüilamente vendo nossas descidas e subidas, para vê-lo melhor. Ainda vimos uma pequena arraia e muitos outros peixes. O Jonas ficou com frio e eu levei-o para o bote. Voltei para mergulhar, mas senti um pouco de dor de cabeça. Ela foi aumentando e pedi para voltarmos todos ao barco. Cheguei no barco, num final de tarde lindo, com cabeça estourando, tomei remédios e descansei. Acho que foi em virtude de não ter esperado o tempo adequado para mergulhar após o almoço. Dormi até as 21:00 hs, quando acordei melhor, jantei um miojo que a Lu havia feito para todos e voltei a dormir.

 

26/01/2007

O despertador tocou eram sete horas e todos pulamos da cama. A primeira coisa que fizemos foi tomar o tradicional banho de mar “para acordar”. Que delícia estar num lugar como este! A água estava quente e ainda mais transparente do que ontem. Tomamos nosso café da manhã e arrumamos nosso material de mergulho. Consegui contato pelo rádio com os pescadores amigos do “Rose e Amanda”, que conhecêramos da outra vez que estivemos aqui. Pouco depois, a Bernadete estava passando com o bote e algumas pessoas a bordo. Seguimos nós também para a Ilha Siriba e logo desembarcamos. Amarrei o bote na poita, cumprimentamos o Egno, que não víamos desde nossa última visita a Abrolhos e fomos andar pela ilha. Desta vez não havia tantos filhotes e os que haviam já estavam bem crescidos, mas os Atobás lá estavam, começando a nidificar. Mesmo assim, o passeio pela linda ilha sempre é fantástico. Fotografei muito novamente e contornamos a ilha toda. A Lu se maravilhava com tudo o que via. Quando acabamos o passeio, pegamos o material de mergulho e fomos para a água ali mesmo. Vimos muitos cirurgiões azuis, budiões azuis e muitos frades. A Carol viu uma barracuda grande e depois fomos para um parcel ali perto. Chegando lá encontramos uma toca com grandes budiões. Dentro dela também estava um enorme badejo, que acredito ter quase trinta quilos! Cheguei a segui-lo e fiquei bem perto dele, tão manso que é! Continuamos a mergulhar e vimos outros badejos, que variavam entre cinco e dez quilos. O Jonas não sentiu tanto frio e ficou quase o tempo todo conosco. Para nossa surpresa, encontramos a Pri e o Renato no barco Jubarte. Eu achava que eles estariam vindo amanhã e ficamos muito felizes em vê-los. Fomos mergulhar perto da ilha Redonda e, no caminho, vimos várias tartarugas na tona. Na ilha Redonda, novamente muitos budiões, cirurgiões e badejos. Que lugar para mergulhar! Retornamos ao Fandas, onde fiz nosso almoço, bebemos muita água (havíamos esquecido nossa garrafa de água no barco) e começamos a fazer nossas tarefas (diários e lições). Logo depois chegaram a Pri e o Renato, que pernoitarão conosco, curtindo um pouco mais esta maravilha de lugar. Batemos papo e eles foram mergulhar na ilha de Sta. Bárbara. Nós aproveitamos para fazer nossas tarefas, diários e estudos e, no final da tarde, fomos todos ver a Ilha de Sta. Bárbara. A maré estava baixa e o desembarque foi feito em cima dos corais. Lá, conhecemos o Sgto. Gonzaga, que nos acompanharia até o farol e revimos o Sgto. Irã, que continua comandando a base na ilha. Batemos um papo gostoso com ele e contamos algumas coisas da viagem. Depois, fomos rever o farol, cuja beleza nos surpreende cada vez que o vemos. Subimos até o alto e vimos um pôr-do-sol maravilhoso lá de cima. Pouco depois, o farol foi ligado e tivemos o prazer de vê-lo funcionando de perto. O que surpreendeu é que a luz dele, vista de perto, não é tão forte como pensávamos. Vimos a “Bé”, a cabra domesticada, e a Carol e a Pri foram fazer carinho nela. Pena foi não encontrarmos o Flávio, que está de férias. Retornamos ao Fandango, onde jantamos uma canja de pacotinho e a Pri não estava se sentindo muito bem com o balanço do barco. Ela e o Renato resolveram que seria melhor dormirem do lado de fora, no cockpit do barco. Todos estavam muito cansados com o dia cheio e muito alegres com toda a beleza deste lugar, que eu considero o lugar mais bonito e selvagem de todos pelos quais passamos.

 

27/01/2007

Acordamos cedo e logo fui fazer um café da manhã caprichado para nossos amigos. Peguei a farinha de trigo e fiz panquecas, que foram aprovadas por todos, exceto pela Pri, que não estava bem e não experimentou. Após o ótimo café, pedi para o Sgto. Gonzaga, que passava num bote, para desembarcar a Pri e o Renato na praia da ilha de Sta. Bárbara, até ela melhorar. Levei-os para lá e eles ficaram curtindo a linda praia, com muitos peixes nadando na beirada. Na volta para o barco, fui até um pesqueiro que estava parado numa poita e perguntei se eles tinham peixe para vender. Eles estavam esperando para pedir gás para o pessoal da ilha e tiraram de dentro da geladeira um grande peroá-rei e dois outros peixes bonitos. Quando perguntei quanto custava, disseram que não era nada: era um presente. Ainda argumentei que aquele era o trabalho deles, mas eles não quiseram receber. Os pescadores que andam por aqui são assim: gente simples, trabalhadora, sofrida e com um coração enorme. Voltei ao barco com os peixes e logo os limpei e temperei. Arrumamos as coisas e fomos mergulhar perto da praia, mas a Pri e o Renato não quiseram mergulhar. Bem na beiradinha, falaram que havia dois cações-limão e fomos procurá-los. Logo os encontramos, num lugar que não tinha mais de trinta centímetros de profundidade. Ao lado deles, tinha também uma pequena barracuda. Os cações tinham aproximadamente 50 centímetros e viraram o centro das atenções. Depois, fomos mergulhar mais para fora e vimos um badejo com quase dez quilos e muitos budiões azuis. Também vimos uma moréia verde fora da toca e fomos “perturbar” uma manduréia, que passeava tranqüila. Retornamos para a praia e ficamos um pouco com nossos amigos. Eu e o Rê nadamos até o bote para ir ao Fandango fazer o almoço. Quando estávamos chegando nele, logo abaixo de uma lancha, vimos um enorme badejo, que calculo ter uns trinta quilos, nadando tranqüilamente sobre o fundo de areia. Desci até perto dele e nadei junto a ele um pouco, sem assustá-lo. Que peixe! Chegando no barco, cortamos os legumes e fiz o peixe assado no forno. Logo, fomos pegar todos na praia e almoçamos juntos. Após o almoço, a Pri e o Renato foram embora, contentes de haver conhecido este paraíso. Soube depois, que a Lu e a Carol ficaram mergulhando na praia junto aos cações e observando seu hábito. Elas perceberam várias técnicas de caça dos dois, que devem ser instintivas, e a Lu chegou a passar a mão no rabo de um deles! Quem diria: a Lu que tinha tanto medo de encontrar um tubarão, só aqui em Abrolhos encontrou um tubarão-lixa numa caverna e voltou para observá-lo e ainda ficou nadando com tubarões-limão, chegando a tocar em um deles! Nós descansamos um pouco na parte da tarde e tomamos um ótimo banho no final do dia, olhando bem para ver se a “mãe” dos filhotes de tubarão não estava por ali. Após lermos um pouco e as crianças terem feito seus estudos, dormimos cansados sonhando com peixes e mais peixes. O barco balançou muito durante a noite, com vento de nordeste e mar de leste.

 

28/01/2007

Acordei ainda não eram seis horas da manhã com a voz do Sgto. Irã chamando todos os pesqueiros trabalhando em Abrolhos. Pensando ser algum aviso de mau tempo, fui escutar. Após algumas tentativas e chamar o barco de pesca “Rodrigo” e outros, ele conseguiu contato diretamente com o barco de pesca Rodrigo. Mudei para o canal em que eles iam se comunicar e escutei o Sgto. Irã informando o comandante da embarcação que o pai dele havia falecido ontem e que o enterro seria hoje. Imaginei a tristeza da pessoa que recebeu o recado e percebi a importância desta base rádio-farol em comunicação para esses trabalhadores do mar e todos que navegam por aqui. Meio “down”, voltei para a cama e dormimos até tarde. Logo que acordamos, tomamos um café rápido e fomos mergulhar, pois se tomássemos o café pesado de sempre, teríamos que ficar fazendo a digestão muito tempo no barco. O café rápido não foi suficiente para o Jonas, que preferiu ficar no barco e comer mais a mergulhar. Fizemos um mergulho na ponta oeste da ilha de Sta. Bárbara e também foi um lindo mergulho. Vimos um cardume de budiões azuis que me impressionou: mais de trinta! Numa toca encontramos um baiacu-arara com apenas um olho bom e vimos vários badejos grandes. Vimos uma pequena tartaruga e logo após uma outra maior, que deixava passar a mão e era bem mansinha. Havia vários sargos grandes no local e muitos frades, cirurgiões e dezenas de peixes coloridos de vários tipos. Com uma hora e meia de mergulho, que pareciam apenas 10 minutos, retornamos ao Fandas e logo fiz nosso almoço: macarrão alho-e-óleo e ovos cozidos. Descansamos na parte da tarde e, após a sesta, voltamos ao mergulho. Desta vez, repetimos a nossa enseada preferida de Sta. Bárbara, a que fica mais próxima ao veleiro. Logo que chegamos na poita com o bote e eu caí na água, vi nitidamente um pregador de roupas no fundo do mar, que tinha uns seis ou sete metros no local. Desci e o recuperei, para compensar um pouco a perda de cerca de quatro dúzias de pregadores ao longo da viagem. Quando nos dirigíamos à enseada, paramos no meio do caminho, com a visão de um grande badejo, de uns dez quilos, no alto de um coral! Lindo! Fomos vê-lo de perto e então vimos outro, outro e mais outro. Quatro grandes badejos nadavam juntos no local e eram muito mansos, deixando sempre que nos aproximássemos bastante deles. Ficamos um tempão olhando-os e mergulhando perto deles. O primeiro grande badejo sempre voltava para seu “ninho” no alto do coral, um mini-chapeirão. Seguimos para a enseada e, novamente, a maré estava baixa. Ficamos mergulhando no paredão e vendo os sempre belos peixes, entre eles um peroá muito bonito, escuro com pintas redondas mais claras e uma parte do corpo alaranjada. Logo veio o grito: “- Tartaruga!”, e nadamos todos ao encontro de uma assustada tartaruguinha, que se afastou rapidamente. Em compensação, logo encontramos mais uma, “de pente”, mansa e maior, que novamente nos deixou passar a mão. Quando fui procurar outros badejos, vi mais uma, ainda maior que as outras, com um metro de comprimento aproximadamente. Fomos todos vê-la e ela começou a circular entre nós e nos observar. Deixou que todos passássemos a mão nela e eu nadei com o rosto a trinta centímetros de sua cabeça por um bom tempo. Linda e muito mansa! Retornamos ao bote e, no caminho, revimos os badejos e vimos uma pequena arraia, que passeava no fundo de areia. De dentro da água, vimos o maravilhoso pôr-do-sol ao lado da ilha Redonda, muito alaranjado e com o sol descendo diretamente dentro do mar, sem nuvens para atrapalhar nossa visão do espetáculo. Chegamos no Fandango maravilhados e, após banho, uma sopinha quente e estudos, fomos dormir com o nordeste soprando forte no estaiamento, mas com o barco balançando menos que ontem, provavelmente por havermos tirado nosso toldo de cobertura do cockpit, pois a previsão é de ventos fortes durante a noite.

 

29/01/2007

Levantamos cedo para poder mergulhar bastante. Fizemos um café da manhã modesto, esperamos quarenta minutos e lá fomos nós para a água. Fomos com o botinho para a poita do IBAMA mais próxima de terra, na enseadinha que mais gostamos. Nossos planos eram mergulhar da enseada para a esquerda, de quem está vendo a ilha. A água estava muito limpa, talvez a melhor água de todas e logo fui procurar os badejos de ontem, mas eles haviam mudado de lugar ou estavam escondidos. Ficamos mergulhando no paredão, procuramos nas tocas que já conhecíamos, alguns peixes, mas encontramos apenas alguns frades e cirurgiões. Resolvi tentar ir para cima do parcel da enseadinha, apesar de estar muito raso. Passei facilmente e logo avistei a primeira tartaruga. Todos vieram atrás e ficamos nadando perto dela e passando a mão em seu casco e seu pescoço. Essa tartaruga tinha três pequenas manchas brancas nas costas, tornando fácil identificá-la. Ficamos um bom tempo com ela e ela não se assustava! Deixamo-la sossegada e fomos ver o resto do parcel. Logo avistamos pequenas barracudas e bicudas. O parcel estava cheio de peixes coloridos! Muitos frades, cirurgiões azuis, peixes-anjo e também badejos. Vi uma técnica interessante de pesca de um badejo: ele escurecia sua cor (mimetismo é um dos pontos fortes deste peixe, que muda sua cor rapidamente) e se enfiava no meio do cardume de cirurgiões azuis. Disfarçado, no meio do cardume, ele atacava as presas que passavam ao lado do cardume de cirurgiões. Lembrei do ditado: “o lobo em pele de ovelha”. Logo avistamos a nossa amiga tartaruga novamente. Ela nos acompanhava e sempre que a víamos, íamos passar a mão em seu casco. Esse encontro se repetiu umas sete ou oito vezes, com ela sempre deixando a gente se aproximar sem se assustar. Ao fundo do parcel, na costa de Sta. Bárbara, vimos os restos do veleiro que me deu calafrios da outra vez. Está ainda mais destruído e vimos muitos pedaços dele no fundo da enseada. Tudo isso que estou contando para vocês estava acontecendo com, no ponto mais fundo, um metro e meio de profundidade! Uma barracuda um pouco maior, de uns setenta centímetros começou a andar atrás da Lu e ela ficou assustada, mas logo ela se afastou. Saímos do parcel maravilhados e continuamos nosso mergulho no paredão. Numa toca vimos um grande baiacu-arara e chegamos em outro ponto onde há um lugar mais raso. Desci para mergulhar numa toca e a Lu foi tentar o mergulho raso. Estava tranqüilo, olhando um lindo vermelho-cioba que nadava tranqüilamente, quando comecei a sentir pancadas de nadadeira na minha cabeça e fui subindo. Quando estava quase chegando na tona, percebi que o Jonas, a Carol e a Lu estavam bem em cima de mim e o “circo estava armado”! A Lu gritava “- Tubarão!” e pedia para voltarmos logo para o barco. As crianças estavam com cara de assustadas e eu resolvi perguntar qual o tamanho do “tubarão” que ela viu, antes de corrermos. Ela abriu os braços, numa distância aproximada de oitenta centímetros e disse que ele estava na parte mais rasa. Resolvi dar uma olhada nele e o Jonas e a Carol vieram atrás de mim, para desespero da Lu. Quando chegamos lá, logo o vimos, tubarão-limão, com o tamanho exato que a Lu falou. Ele era apenas uns quinze centímetros maior que os filhotes que ela e a Carol ficaram olhando bem de perto anteontem. Como estava caçando, estava agitado e isso a assustou. Tentei me aproximar, mas ele “deu no pé”, saindo em alta velocidade na direção da arrebentação. Voltamos e tranqüilizamos a Lu, que virou a “bola da vez”, com as crianças tirando o sarro dela toda hora. Eu fiquei quieto: “dá de aparecer a mãe deles, eu hein!”. Logo retornamos ao Fandas e fizemos um macarrão com atum para o almoço. Descansamos, dormimos, as crianças fizeram diários e lições e, no final da tarde, retornamos para outro mergulho. Desta vez a água havia turvado e o mergulho próximo à praia da ilha de Sta. Bárbara não foi tão bom quanto os outros. Mesmo assim, o “pior” foi muito belo. Abrolhos é “FANTÁSTICO”! Após o mergulho, sem grandes novidades, voltamos ao barco, já no fim de tarde. Fui bater algumas fotos do “Fandas”, aproveitando a luz especial do horário e começamos a arrumar as coisas para seguirmos viagem. Guardamos materiais de mergulho, motor, bote, deixamos tudo arrumado e fizemos uma sopa para o jantar. Falei com o Sgto. Irã para agradecer a acolhida, sempre tão cuidadosa e carinhosa, e pedir que avisasse a Capitania dos Portos do Espírito Santo que estaríamos saindo à meia-noite. Também nos despedimos do Egno (a Bernadete já havia ido embora para sua folga) e deixei o cabo de amarração fácil para ser solto por uma pessoa só, pois pretendo deixar a tripulação descansando na saída. Abrolhos vai ficar na saudade (como é duro sair daqui!) e ainda vai render muitos sonhos com água limpa, quente, muitos peixes e, talvez, alguns pequenos pesadelos com tubarões! (rsrsrs).

 

30/01/2007

Levantei (não posso dizer que “acordei”) era meia-noite ou zero hora, início de um novo dia. Arrumei as coisas que faltavam para sairmos (piloto automático, acender luzes de navegação, recolher algumas coisinhas, etc.) e logo estava soltando a poita. Estes dias em Abrolhos foram maravilhosos, com mergulhos inesquecíveis. Liguei o GPS e fomos saindo, com ótima visibilidade, ajudada pelo farol de Abrolhos e pela lua que crescia, já faltando pouco para estar cheia. Deixamos as ilhas e logo aproávamos para sair pelo canal de Abrolhos. A lua descia na alheta de boreste e o farol se afastava pela alheta de bombordo, deixando entrever o contorno de Sta. Bárbara, Redonda, Siriba e Sueste. O vento estava fraco e logo abri a genoa. Andamos a motor até as duas da manhã para carregar as baterias, ajudados pela genoa toda aberta. Desliguei o motor e o silêncio voltou a reinar na cabine, onde todos dormiam. Andávamos entre três e quatro nós só com a genoa e deixei assim mesmo, pois estamos saindo adiantados para ter certeza de chegar de dia em Vitória e também para deixar o pessoal descansar bem. Às três e meia senti sono e chamei a Lu, que assumiu o turno. Passamos ao lado de um barquinho de pesca (há muitos nesta região) e, quando amanheceu o dia, o Jonas assumiu. Quando levantei às sete, colocamos a vara de pesca e adriçamos a mestra no segundo rizo, fazendo uma “asa de pombo”. O vento começou a apertar e andávamos na casa dos seis nós de média. O molinete começou a cantar como louco e, quando conseguimos diminuir a velocidade e pegar a vara de pesca, ele parou: o peixe havia escapado! Bem, isca para a água novamente e esperar. Fiz nosso café da manhã, o que não foi muito fácil com o barco balançando. Tivemos ovos mexidos (a Carol reclamou muito, mas comeu!), bolachas salgadas e achocolatado com leite. A genoa começou a bater muito e a enrolamos, pois o vento havia ficado mais forte. Só com a mestra rizada andávamos entre seis e sete nós. Calculo que, no começo da tarde, o vento estava na casa dos 25 nós e o mar cresceu para dois metros, ficando muito bonito, cheio de carneirinhos. O céu estava com poucas nuvens e o sol delicioso. No meio da tarde perdemos mais dois peixes grandes, pois os anzóis, que não eram muito fortes, abriram. Troquei os anzóis da isca, mas não bateu mais peixe nenhum. Antes do anoitecer, recolhemos a vara de pesca, descemos a mestra e abrimos a genoa, pois, se o vento aumentasse, bastaria ir enrolando a genoa, mantendo uma área vélica compatível com o vento. Durante a noite o vento acalmou um pouco e fiz um belo turno, com a lua quase cheia. Saímos da maravilhosa e acolhedora Bahia e da nossa linda região nordeste. Isso foi sentido “na pele”, pois tive que voltar a usar blusa nas travessias noturnas, coisa que não precisava faz muito tempo.

 

31/01/2007

Quando estávamos chegando perto de Regência, uma nuvem escura muito grande apareceu na frente do barco e veio em nossa direção. Como estávamos com pouco pano, não me preocupei muito, senão teria rizado. Ela chegou e mudou a direção do vento, fazendo-nos orçar, além de aumentá-lo um pouco de intensidade. Após meia hora, tudo voltou ao normal, só que com o vento mais fraco. A Lu pegou um turno de duas horas na madrugada, o que me permitiu dormir um pouco. Quando acordei eram três da manhã e o vento praticamente havia sumido e o mar havia alisado. Fomos velejando devagar, mas logo liguei o motor para também carregar as baterias. Passamos 28 horas velejando direto, mas acabamos motorando o resto do caminho até Vitória. Quando amanheceu, o Jonas assumiu o turno e colocamos a linha na água novamente, sem resultados. Fomos nos alternando em turnos curtos e, quando eram nove da manhã já nos aproximávamos da bela cidade. Passamos por muitos navios na entrada do porto e as dez e meia ancorávamos no Iate Clube do Espírito Santo. Não nos deixaram ficar no píer e todos os veleiros visitantes estavam em poitas ou ancorados do lado de fora do clube. Mudou a comodoria e, com isso, também mudou muito a recepção aos barcos de fora. Por outro lado, não teremos mais que escalar o píer do clube, que me deixava sempre preocupado e teremos mais ventilação no barco. Pedimos um bote, que demorou um pouco (precisei ligar três vezes para que ele viesse!) e fomos todos para uma padaria tomar nosso café da manhã. Foi muito gostoso! É tão bom, depois de alguns dias no mar, comer uma comida diferente, mesmo sendo um bom lanche. Retornamos ao clube e fui dar entrada da embarcação. Soube que agora, também acabaram com a cortesia de três dias no clube, e estão cobrando por pessoa que utiliza as instalações do clube, não mais por barco (o que é muito lógico, pois eles não podem cobrar nada pelo barco ancorado do lado de fora do clube). É, realmente as mudanças foram grandes! Por um lado, ficou mais barato de ficar no clube, apesar de perdermos os dias de cortesia. Por outro, o barco ficou bem mais desprotegido. Conversando com o gerente Geraldo, ele me disse que nenhum barco visitante pode mais usar o píer, a não ser para abastecimento de água e diesel, rapidamente. Como a casa é deles e somos convidados, fomos nos adaptando: retornamos ao Fandas e enchi meu bote para não precisar esperar mais. Arrumamos tudo rapidamente no barco, colocando-o em ordem. As crianças desceram para fazer suas tarefas em terra, ao lado da piscina e eu aproveitei para descansar no barco. Quando retornamos ao clube, encontrei o Aurélio, que havíamos conhecido da outra vez, conversando com as crianças. Junto a ele estavam a esposa e o filho, garoto que me pareceu ser muito vivo e inteligente. Combinamos de nos encontrar algum dia destes. Tomamos um banho delicioso de chuveiro, com água abundante! À noite, fomos comer espetinhos de churrasco Mimi, que as crianças adoram, no “Triângulo das Bermudas”. Retornando ao Fandas, segui as orientações do Geraldo e coloquei o motor de popa e o botinho para cima do barco.

 

01/02/2007

Acordamos cedo e logo colocamos o bote e motor na água e fui com a Lu no mercado para comprar muitas coisas gostosas para nosso café da manhã: pães franceses, queijo branco, presunto, picles em conserva, iogurte, etc. Que delícia! Essas coisas pequenas se tornam tão boas depois de tanto tempo sem tê-las! Voltamos ao barco e comemos todos muito bem! Passamos a manhã colocando em ordem o resto de nosso “mundinho” e as crianças estudaram (está chegando a hora de fazerem a prova de reclassificação!). O tempo está passando muito rápido agora e cada vez me sinto mais “esquisito” com relação à nossa volta para Ilhabela. Menos de um mês para estarmos de volta à nossa casa e nossa cidade. Será muito bom rever os amigos e parentes, mas esta sensação de liberdade que temos, a chance de estarmos sempre conhecendo coisas novas e a possibilidade de sermos donos de nosso tempo são coisas difíceis de se perder. As crianças queriam ir até a lojinha da Garoto e aproveitamos a tarde para isso, enquanto a Lu ia visitar a prima dela que está doente. Compramos um estoque de chocolate de fazer inveja a qualquer chocólatra e compramos chocolates para mandar para meu irmão, minha cunhada e minha sobrinha. Chegamos no clube no final da tarde e resolvemos ir jantar num restaurante japonês que tem rodízio para fazer uma “despedida”, pois a Lu vai embora amanhã. Comemos fantasticamente bem e tudo estava muito gostoso! As crianças pagaram meia, mas em compensação comeram por dois (casa um deles!!!) (rsrsrs). Na volta ao barco, precisamos ficar um pouco sentados na marina, pois estava difícil até de fazer movimentos bruscos e dormir foi difícil, pois toda hora precisávamos de água!

 

02/02/2007

Logo que acordei fui ao supermercado comprar coisas frescas para o café da manhã. Aproveitei e comprei uma linha mais fina e mais forte para o molinete, além de duas novas iscas artificiais. Na volta, encontrei o Aurélio, que me passou o telefone novo do Mauro e da Cristina. Chegando no barco, liguei para o Mauro e marcamos de nos encontrar no sábado à noite. Tomamos nosso café no barco e as crianças foram para seu lugar preferido para estudar: a piscina. Um veleiro finlandês chegou no clube e ajudei-os a ancorar, pois estavam meio perdidos. Ajudei a Lu a arrumar suas coisas e logo desembarcamos suas “malinhas” (tivemos que pedir o bote grande da marina, pois no botinho do Fandas as malas iriam acabar molhadas). Tomamos banho e pegamos um táxi todos para o aeroporto. Chegamos cedo e ficamos esperando o vôo da Lu. Ela e as crianças aproveitaram para comprar umas coisas bonitas na lojinha do Tamar e logo foi anunciado o vôo. Nos despedimos e, depois de quarenta dias de muitas aventuras e lugares bonitos, demos “até breve” à nossa tripulante (chuiff...). Retornamos ao clube de táxi também, pois é barato e o aeroporto é perto. Paramos no mercado perto da marina e levei as crianças para ver a loja de miniaturas de carros, que eles gostaram tanto da outra vez. A Carol comprou um carrinho para ela e fomos tomar um lanche na padaria. Voltamos ao mercado e aproveitei o tempo para fazer as compras dos itens não perecíveis. Houve uma confusão na passagem de coisas no caixa e, depois, para levar nossas compras para o barco, o que me deixou nervoso. Carregamos o Fandas e voltamos para o clube, pois o Jonas queria pescar. Conhecemos o pessoal do veleiro “Hot Day”, de Floripa, e conversamos bastante com eles. É um pessoal bem animado e simpático. Fomos comer espetinhos no Mimi novamente e, quando voltamos, reparei que dois veleiros visitantes continuavam nas vagas do píer desde o período da tarde. Pelo jeito a informação que o Geraldo me passou não procede e o píer pode ser usado por visitantes sim, só não sei que critério eles usam para isso. O Jonas tentou pescar mais um pouco, mas não pegou nada. Fomos para o Fandas, puxei e respondi e-mail’s, depois de muito tempo sem acessá-los, e logo estávamos dormindo.

 

03/02/2007

O tempo amanheceu bonito e começamos a fazer nossas obrigações após o café da manhã. Fui com o Jonas comprar diesel para o Fandas e gasolina para o botinho. Íamos ver um Thor 12.5, fabricado pelo mesmo estaleiro que fabricou o Fandango, mas, quando voltamos ao barco para buscar a Carol, começou a chover. Ficou chovendo toda a tarde e, quando melhorava um pouco, a garoa permanecia. Ficamos no barco, com as crianças estudando. A Carol teve alguns problemas de matemática e fiquei estressado com ela, pois não havia pedido ajuda. Ensinando no barco, temos que estar sempre corrigindo as lições, pois são nelas que encontramos as falhas de aprendizado. No final da tarde começaram a chegar as lanchas que estão participando do campeonato de pesca esportiva. Logo descemos para o clube e ficamos embaixo de um toldo vendo os barcos chegarem. Muitas não trouxeram peixes. Algumas trouxeram wahoo’s (um muito bonito, de 19 quilos), atuns e vimos também um dourado de nove quilos. Todos esperavam uma lancha que informou haver pescado um marlim, mas não disse o tamanho do peixe. A expectativa estava grande e a lancha não chegava. Havia uma equipe de reportagem da TV que estava querendo ir embora, mas também estavam loucos para gravar a matéria com um belo peixe. Escutávamos boatos que o marlim tinha 200 quilos. Depois cresceu para 250, chegando até a trezentos! A lancha não chegava e o peixe crescia na imaginação das pessoas. Quando chegou (foi a última lancha a aparecer, como noiva na igreja!), logo visualizamos o bico do peixe para cima, sinal que não cabia na largura da lancha. Ela encostou e começou a comemoração. O pessoal da lancha estava muito contente e o guincho foi posto em ação para levantar o peixe. Era enorme! O maior marlim que eu já vi! Com dificuldade o removeram da popa da lancha, o içaram e depositaram em cima da balança do campeonato. Para aumentar a expectativa, o medidor oficial cobriu a balança, para que ninguém visse o peso até a balança haver estabilizado. Quando ele descobriu a balança, a surpresa: 430 quilos!!! É um dos maiores marlins pescados no clube e, com certeza, a foto dele irá para o painel de fotos no restaurante. As crianças adoraram ver o peixe tão bonito, mas a Carol chorou um pouco com pena do lindo marlim. Fico imaginando esse belo peixe nadando e não sei se eu teria coragem de matá-lo. Quem leu o “Velho e o Mar” somente pode entender os sentimentos do velho Santiago apenas quando visualiza um peixe destes morto! Mesmo assim, não deixa de ser extremamente belo. Quando acabamos de ver o peixe, troféu que logo foi retirado num carrinho, como um boi morto para o corte, o que me deixou ainda mais triste, fomos tomar um banho e esperamos na portaria os amigos Mauro e Cristina. Logo eles chegaram com o Kalunga, seu motor-home, quase acabado internamente. O Mauro é extremamente cuidadoso e caprichoso e a casa ambulante deles ficou excelente. Num chassi de Furglaine, ele montou uma bela cama de casal, cozinha e banheiro, com os bancos da frente girando e servindo de poltrona, sem esquecer o teto escamoteável. Ficou muito legal, ainda mais todo arrumado por dentro, com armários e paióis para guardar coisas para longas jornadas.  Ficamos conversando na “sala” com eles e logo chegaram o Aurélio e sua família. Fomos para um restaurante tomar vinhos e comer queijos, conversando muito sobre ventos, mar, viagens e barcos. Falamos muito dos conhecidos em comum, como o Serginho de Itacaré, o Torres e a Elisa do Kanaloa e o Nelson do Salmo 33. Descobri ainda que o Aurélio conheceu o Valmir do Radum, que veio ver o barco do Aurélio para talvez comprar. Procurei incentivar os amigos a irem correr a Semana de Vela de Ilhabela neste ano e, talvez, dê “samba”! Será bom revê-los na Ilha e ainda mais num evento especial como a Semana de Vela. Voltamos tarde para o barco, mortos de sono mas felizes de ver nossos amigos tão bem e tão cheio de planos.

 

04/02/2007

Acordamos cedo e a primeira tarefa do dia foi arrumar o barco. Logo estaria chegando uma equipe da TV Tribuna para fazer uma matéria sobre nossa viagem. Eles foram extremamente pontuais e ficamos um bom tempo conversando com eles, que filmavam tudo no barco. Saímos para dar uma rápida velejada na frente do clube e, quando retornamos fomos direto para o píer, para desembarcá-los e encher o tanque de água. Agradecemos a atenção deles (espero conseguir uma cópia desta matéria, pois as outras duas que gravaram conosco, não consegui) e soubemos que irá passar amanhã, após o meio-dia. A lancha dona da vaga onde estávamos chegou e precisamos ir para o outro lado do píer, no local de abastecimento de diesel, para poder completar o tanque do Fandas. Lá, conhecemos um casal do barco Namastê, um Velamar 31, que estão acompanhando nossa viagem. Conversamos um pouco, mas não pudemos estender o assunto, pois eu tinha de voltar para a ancoragem. Soube, por um velejador do clube, que o vento sul não irá parar tão cedo e não poderemos sair amanhã de madrugada, como eu queria. Dessa forma, não fui fazer o supermercado planejado e acabamos indo almoçar num ótimo restaurante mineiro por quilo, que fica no “triângulo”. Após o almoço, ainda arrumamos (com muito jeitinho!) espaço para um doce e voltamos ao clube. Fui na praia para ver se o Fandango estava bem e vi uma Blazer 4x4 “encalhada” na areia. O dono entrou na praia para puxar o jet-sky e acabou enterrando as rodas na areia fofa. Já vi tanto isso que sempre penso como os caras não sabem que, se levarem um cabo comprido, não terão problemas! Eles querem entrar com o carro até a beiradinha da água para ter menos trabalho e acabam quase perdendo o carro! Os heróis do dia foram os funcionários do Iate Clube que, muito gentis, foram com o trator rebocar o carro do sujeito, pois já haviam tentado de tudo (e tudo da forma errada, pelo que presenciei) e não haviam conseguido sequer mexer o veículo. Fiquei assustado por duas coisas: o primeiro cabo que usaram e que estouraram várias vezes foi pego por um lavador de carros dentro de um carro que ele estava lavando. A segunda foi que os lavadores, que estavam tentando ajudar o sujeito, entraram embaixo de uma Mercedes novinha, que também estava sendo lavada por eles, para ver se havia algum lugar para amarrar o cabo para rebocar o motorista descuidado. Ainda bem que não acharam onde amarrá-lo! Voltamos ao clube, onde as crianças fizeram suas lições e eu fui ao barco fazer meus diários. No final da tarde recebemos a visita da amiga Janaína. Estávamos com saudades e, após conversar um pouco sobre a viagem, fomos tomar sorvetes com ela e contar mais histórias. Quando ela se foi, tomamos banho e fomos ver a feirinha ao lado do Iate Clube. Jantamos numa das barraquinhas de comida e sentimos pena que a barraca que fazia paella não tê-la feito hoje. Após o jantar e passear pela feirinha, retornamos ao clube com a chuva iniciando. Retornamos na hora, pois começou a chover violentamente. Sentei na varanda da piscina e as crianças juntaram várias cadeiras e deitaram. Dormimos ali e só parou de chover após a meia-noite. Quando chegamos no bote, com tudo molhado e muita água dentro do bote, tentei ligar o motor e só consegui fazer que pegasse depois de muita briga. Mesmo assim, ele foi falhando o tempo todo até o barco, mas conseguimos chegar sem remar, controlando sempre acelerador e afogador. Coloquei tudo para cima e fomos dormir, pois o cansaço estava grande.

 

05/02/2007

Deixei as crianças dormirem até tarde e tomamos um café da manhã modesto. A primeira coisa que fiz foi dar uma geral no motor: limpeza da cuba do carburador, giclê, troca de gasolina (estava velha e percebi quando a retirei que estava opaca, não sei se por causa de água ou concentração de óleo dois tempos) e limpeza de vela. Após todo o trabalho, o motor demorou para pegar, mas ficou novo! Fomos ansiosos para o clube assistir à matéria que fizeram conosco e arrumamos uma televisão no refeitório dos funcionários. Decepção: assistimos o jornal do começo ao fim e nada! O Jonas ficou irritadíssimo, mas logo liguei para a TV Tribuna e eles me disseram que iriam passar a matéria no jornal das 18:45 hs. Fui ao mercado comprar nosso almoço e aproveitei para comprar velas novas para o motor. Troquei a vela e o motor ficou melhor ainda! Após o almoço, fui ao shopping sozinho comprar um fole para o bote. Eu queria um compressor pequeno, mas não achei nenhum legal. Retornei ao clube e fomos tomar sorvetes com a Janaína novamente e também procurar uma televisão para ver o jornal. Achamos um quiosque de praia que ligou a TV para vermos, mas novamente o jornal chegou a seu final e nada de “nós na telinha”! Desta vez a decepção foi menor e despedimos da Janaína, que precisava ir para um curso. Fomos à uma livraria ali perto e ao lado dela havia uma loja de pesca onde comprei um bicheiro e alguns anzóis. Retornamos para o clube a pé e fomos buscar as coisas no barco para tomarmos banho. Retornamos ao Fandas, onde o Jonas foi o “cozinheiro” da noite e preparou gostosas sopas de “pacotinho”. Ficamos fazendo nossos trabalhos, além de um artigo para a Revista Ilhabela e fui dormir quase quatro horas da manhã.

 

06/02/2007

Levantamos tarde, tomamos nosso tradicional café da manhã e começamos a fazer nossas obrigações. Quando era quase meio-dia, fomos para o clube para, novamente, dar uma olhada no jornal da TV Tribuna. Ficamos vendo o jornal sem grandes expectativas, quando anunciaram a nossa matéria. Aí as crianças ficaram sorridentes e ansiosas e aguardamos o início dela (nossa, como ficaram compridos os comerciais nessa hora!). A matéria ficou muito legal e as filmagens que eles fizeram no barco, durante a nossa curta velejada ficaram muito bonitas. Profissionais de primeira! Eu não havia visto o que a repórter havia gravado com as crianças dentro do barco, pois estava arrumando as coisas após nossa atracação no píer, e me diverti muito quando ela perguntou à Carol, o que ela achava das outras meninas da mesma idade, se divertindo indo a salões de cabeleireiros e atrás de namorados. A resposta da Carol foi “na lata”: “- Algumas são umas frescas!!!”. Dei muitas risadas com a resposta da Carol e o jeito que foi colocada na matéria, propositalmente para que alguns expectadores pudessem “rever seus valores”. Contentes com a matéria, voltamos para as lições e depois fomos ao shopping Vitória, para comprar um dock-side para mim, pois minha sapatilha de velejar está escorregadia e não dá mais para ficar descalço a noite, desde que saímos do nordeste. No ônibus, uma moça começou a olhar muito para a gente e, quando descemos no shopping, para o qual ela também ia, ela se virou para a Carol e disse que a viu na televisão e adorou a resposta dela das “meninas frescas”! Conversamos um pouco com a moça e logo fomos para a praça de alimentação, para almoçarmos antes de procurar o calçado. Estávamos almoçando na mesa e chegou uma senhora para falar conosco também. Ela era de São Paulo e conhecia Ilhabela, pois a freqüentava desde antes de existirem as balsas, quando para se ir à Ilha, tinham que contratar pescadores com suas canoas para levá-los. Ela sentou conosco e conversamos bastante. Isso ainda se repetiu em outras duas lojas e ficamos nos sentindo “importantes”! Após comprar o dock-side, (foi duro de achar) e aproveitar nossos “quinze minutos de fama”, retornamos para o clube a pé, curtindo o lindo calçadão da praia de Vitória. No caminho, uma bicicleta, que vinha em nossa direção e passou por nós, fez meia volta e veio até nós. Pensei: “Outro que nos viu na TV”, mas estava enganado. Era um marinheiro do clube e nos informou que o cabo de âncora do “Fandas” partiu e que ele deu uma pequena encalhada na praia, sem deitar e que já estava tudo bem. Ele estava amarrado à popa do Fast 500 do qual o rapaz era marinheiro. Fomos rapidamente para o clube e soubemos que, na hora que o cabo de âncora partiu, um bote do clube estava levando um barco para a poita e rapidamente chamou outro bote para retirarem o Fandango da leve encalhada. Disseram que não foi fácil, pois o vento estava forte, mas que nada havia acontecido. Passei na secretaria e agradeci o gerente pela rápida ação e pelo cuidado do clube e fomos para o “Fandas”, onde, no caminho, agradeci um dos rapazes que participou do “resgate”. Chegamos no Fandango e vi que o cabo havia partido embaixo, no fundo do mar. Algo deve ter roçado no cabo de âncora, talvez uma pedra ou um bloco de poita que esteja afundado, e que fez com que partisse. Peguei a garatéia que temos a bordo e fui com o Jonas de bote procurar a âncora. Após uma hora, sem sucesso, pescamos algo muito pesado, bem na direção onde estava a âncora, mas longe de onde eu a havia jogado. A garatéia ficou presa e não consegui puxar com o bote. Fomos até o “Fandas” e viemos com ele para levantar a âncora, mas por mais força que fizéssemos, não subia. Com certeza, não era a âncora e provavelmente é o bloco de cimento ou pedra que partiu o cabo. Após muito esforço, a garatéia se soltou e desistimos de recuperar a âncora, indo ancorar do lado de fora do clube com nossa âncora reserva, bem mais pesada, mas sem corrente. Fiz a navegação, avisamos o clube e a Capitania dos Portos de nossa saída na manhã seguinte e fomos dormir após tomar uma sopa, para estarmos descansados para a tensa travessia de amanhã, pois passaremos pelo que, considero, o pior lugar para se navegar de nossa travessia.

 

07/02/2007

Eu pretendia sair às cinco da manhã, mas como eu esqueci que estávamos em horário de verão, ainda era noite. Dormi mais um pouco e saímos às seis, quando o dia estava raiando. Chamei as crianças, que me ajudaram na manobra de levantar âncora e logo voltaram para a cama. Seguimos pelo caminho já conhecido e logo estávamos fora da barra. Coloquei a linha de pesca na água, mas tive de baixar as velas, pois o vento era muito fraco de popa. Quando eram oito horas, a vara ficou pesada e o molinete se deslocou um pouco. Chamei a Carol para puxar o “peixe”, pois ela queria muito pegar um também. Ela levantou da cama meio a contra-gosto, puxou, puxou, puxou e o que chegou foi um pedaço de saco plástico! Ela voltou brava para a cama e eu soltei a linha novamente. Pouco mais tarde, quando já estávamos perto de Guarapari, chamei o Jonas para fazer um turno. Estava na cama, mas de olho nele. De repente, ele faz cara de surpresa e fica de pé. Saí e ele me disse que viu um tubarão ou um grande marlin. Não era nem uma coisa, nem outra. De repente, subiu um grande golfinho ao lado do barco e depois mais outro. Chamamos a Carol, pois eles ficaram acompanhando o barco, nadando na proa. Eram enormes! Deviam ter quase três metros de comprimento e, comparando com o marlin que vimos, diria que deviam ter uns duzentos quilos! Nunca vi golfinhos tão grandes! Logo, outros vieram e ficamos rodeados por vinte ou trinta golfinhos, vários deles muito grandes. Filmei, fotografei e aproveitei o lindo balé deles. Alguns iam para a popa e depois vinham em muita velocidade, aproveitando as ondas para dar saltos fora da água. Adoramos! Pouco depois de eles irem embora, aproveitamos e fizemos um café da manhã leve, com sanduíches e sucos. Finalmente, o vento aumentou de intensidade. Já era hora, pois eu queria realmente carregar um pouco as baterias do barco, mas já faziam cinco horas que motorávamos. Abri as velas em asa de pombo, desliguei o motor e começamos a velejar a seis nós, sem gastar diesel. Começamos a escutar no rádio uma chamada geral informando o desaparecimento de um pesqueiro chamado “Pitbull” desde o dia 18 de janeiro. Isso faz parte do serviço do projeto Salvamar, da Marinha do Brasil, para salvaguarda da vida humana. Todos os barcos que navegam acabam fazendo parte do serviço e ficam atentos a qualquer sinal do barco desaparecido. Redobramos nossa atenção na vigília e seguimos em frente. Às duas, fizemos um ótimo almoço, com miojo, presunto de peru e cenouras. “Voamos baixo” durante todo o dia, pois o vento aumentou e nossa média pulou para mais de sete nós. Isso é ótimo, pois adianta nossa chegada em Arraial e aumenta as probabilidades de chegarmos de dia. Só não tivemos sinal de peixe e recolhemos a linha logo após fazer o segundo rizo na mestra para passarmos a noite tranqüilos. Comecei meu longo turno da noite eram oito horas e as crianças, após tomarem uma sopa de pacotinho, foram dormir. Quando eram dez da noite, chamei-as acordei-as para ver algo que ainda não tinham visto: um bando de golfinhos acompanhando o barco à noite! Levantaram correndo e ficamos os três de pé na entrada da cabine vendo vários golfinhos acompanhando o barco. Eles parecem torpedos fosforescentes e ficaram brincando em volta do Fandango um bom tempo. É lindo ver seus grandes corpos brilhantes, por causa da ardentia, cortando a água, numa noite muito escura, pois a lua ainda não havia se levantado! De repente, alguns começaram a pular fora da água, bem ao lado do barco! Vê-los à noite é uma das coisas que mais gosto navegando, mas até agora só havia visto isso uma vez, numa travessia Ilha Grande-Ilhabela, há muitos anos atrás. Quando se foram, as crianças foram para cama e continuamos no ótimo andamento que estávamos antes, pois o vento havia aumentado (ainda bem que rizei a mestra!). Começaram a aparecer muitos navios, barcos de trabalho e pesqueiros. Estávamos nos aproximando da “esquina” onde dobram todos os barcos: o cabo de São Tomé. Era meia-noite quando dobramos este sempre preocupante cabo, me fazendo sentir mais perto de casa ainda.

 

08/02/2007

A madrugada continuou de muito vento, mas, fora algumas mudanças de vela que tive de fazer, sem problemas. Com nosso avanço sempre bom, vi que era quase certo chegarmos de dia em Arraial, o que me tranqüilizou mais. Algum tempo depois, vi uma luz muito forte e vários barcos perto dela. Chegando mais perto, vi que era uma grande plataforma de petróleo com vários rebocadores e barcos de serviço perto dela. Ela está fora da área delimitada na carta náutica para as plataformas de petróleo e que é proibida a navegação para barcos de cruzeiro. Procurei passar longe dela e dos barcos, desviando nosso rumo. Quando amanheceu, depois de nove horas e meia de turno, chamei o Jonas e fui dormir. Ele e a Carol começaram a se revezar nos turnos e às dez e meia da manhã, o Jonas já avistava Búzios e a Ilha de Cabo Frio e faltavam apenas vinte milhas para chegarmos. Vi que a vara de pesca estava pouco vergada e fui dar uma olhada na isca. Cadê isca? Tinha sido arrancada. O Jonas, quando colocou a vara, no começo de seu turno de manhã, esqueceu de olhar a fricção, que estava muito apertada. Resultado: além de perder o peixe, perdemos outra isca cara. Coloquei uma isca roxinha, que o vendedor de Vitória disse ser uma das mais procuradas. Só tem um problema: ela desaparece totalmente dentro da água. Acho que fui enganado! Vamos tentar pintá-la em Arraial. Conforme nos aproximávamos de nosso destino, curtíamos o maravilhoso visual das ilhas e cabos que ficam entre Arraial do Cabo e Búzios. Realmente, muito lindo! Chegamos em Arraial, com forte nordeste nos empurrando, eram duas da tarde. Foi uma travessia excelente e levamos, no total, trinta e duas horas para cumprir o trajeto Vitória-Arraial! Na nossa ida levamos trinta horas para ir de Búzios a Guarapari, numa travessia quarenta milhas mais curta. Fomos direto para a praia dos Anjos e ancoramos perto das escunas e barcos de pesca, pois, no lugar onde havíamos ancorado da outra vez, mais abrigado, agora não podia, por ter vários barcos no porto. A ancoragem estava um pouco desabrigada, mas como a âncora unhou bem, aproveitamos para fazer nosso almoço: macarrão alho-e-óleo com lingüiças. Liguei para São Paulo avisando nossa chegada em Arraial e também para a Delegacia dos Portos de Cabo Frio, que estava nos monitorando. Acabando o almoço, me bateu um cansaço e tanto e, quando fui me deitar para descansar um pouco, resolvi dar uma olhada e achei que estávamos mais perto de um barco de passeio atrás de nós. Saí e fiquei observando, até ter certeza que a âncora estava garrando um pouco, em virtude do forte vento e do mar encrespado. Ligamos o motor, chamei a tripulação para sairmos dali e reancorarmos. Nessa hora, numa outra rajada, o barco virou de lado e percebi que a âncora deu uma grande escorregada. Engatei, ajeitei o barco e passei o leme para o Jonas, que manobrava enquanto eu erguia a âncora rapidamente. Quando a âncora subiu, o Jonas acelerou e nos tirou do enrosco. Achei melhor mudar de ancoradouro e nos dirigimos à nossa praia preferida de Arraial: a praia do Forno. Ela, apesar de não ter o quebra-mar, é muito mais protegida do vento nordeste e, apesar e entrarem algumas rajadas mais fracas, o mar fica totalmente liso. Desta vez, coloquei a nossa velha âncora fortress amarrada na âncora bruce em linha, dando uma segurança extra à ancoragem, que é em fundo de areia. Acabando a manobra, abateu-se sobre mim todo o cansaço do mundo e fui me deitar, passando as obrigações de arrumação do barco para as crianças. Elas ficaram estudando e me acordaram às onze para me dar uma sopa e voltei a dormir imediatamente.

 

09/02/2007

Acordei eram oito horas da manhã! Levantei rapidamente apenas uma vez durante a noite para observar nossa ancoragem, pois sonhei haver encalhado, mas estava tudo em ordem. Dormi quinze horas diretamente e, acho, estava para pegar alguma gripe ou algo parecido! Quando estava fazendo o café da manhã, acabou o gás. Logo fui trocá-lo e me veio à lembrança que, se não houve vazamentos, foi a última troca da viagem. Um receio que eu tinha era não achar gás para comprar, mas achei-o em muitas paradas da viagem. Sempre trabalhei com um bujão em uso e o outro cheio, para não ter problemas. Após o café da manhã, resolvemos mudar a rotina dos últimos dias e fomos todos para a praia, deixando diários e estudos para mais tarde, pois o dia estava maravilhoso. Antes, tomamos um banho de mar na popa do “Fandas” e relembramos porque o nome da região é “Cabo Frio”. Na praia, as crianças ficaram brincando e eu aproveitei para ir comprar algumas coisas na cidade. Cheguei logo lá, pela curta, íngreme e bela trilha e comprei uma corrente para a âncora, outra isca artificial (bem mais barata do que nos outros lugares onde estivemos), camarões para pescar e comer e aproveitei para fazer alguns telefonemas (na praia do Forno o celular não pega). Procurei, mas não encontrei, os amigos Edgar e Paulo. Disseram-me que era provável o Edgar estar de serviço na lancha da Marinha, mas não pude esperar por estar preocupado com as crianças. Voltei e ficamos curtindo a praia de água transparente e fria, com o sol delicioso a nos bronzear. Fiquei conversando com um casal de cariocas simpático e assim passamos o começo da tarde. Resolvemos voltar ao Fandango e tentar a pescaria. Enquanto as crianças começavam a pescar, fiz um arroz com camarões e açafrão, que ficou fantástico e logo foi devorado. Um barco da Marinha passou por nós e pedir para ver os documentos do Fandango e meus. O legal é que eles não precisam encostar e desembarcar: usam um puçá com cabo comprido para recolher os documentos para verificá-los. Voltamos a pescar e pegamos vários peixinhos. Selecionamos dois linguados e um sargo para comermos e fomos soltando os outros. As crianças quiseram limpar os peixes e cada um limpou um linguado. Anoiteceu e esfriou bastante. Aproveitamos a noite para trabalhar e, enquanto as crianças estudavam e faziam diários, eu salvava as últimas fotos e filmes da máquina digital para o computador. Ficaram ótimos, principalmente os dos golfinhos. No final da noite fritei os peixes e os comemos um pouco antes de ir para a cama. Esse friozinho é gostoso para dormir!